Ejaculação precoce - diagnóstico e tratamento
I. Introdução
As três principais formas de disfunção sexual masculina são disfunção ejaculatória (sendo a ejaculação ausente ou precoce), disfunção erétil e diminuição da libido (desejo sexual hipoativo).
De acordo com a Sociedade Americana de Psiquiatria as disfunções sexuais formam um grupo heterogêneo de transtornos que, em geral, se caracterizam por uma perturbação clinicamente significativa na capacidade de uma pessoa responder sexualmente ou de experimentar prazer sexual. Um mesmo indivíduo poderá ter várias disfunções sexuais ao mesmo tempo. Nesses casos, todas as disfunções deverão ser diagnosticadas.
Dados do National Health and Social Life Survey revelaram uma prevalência de 21% de ejaculação precoce entre homens norte americanos com idade entre 18 e 59 anos (1). Usando diversas definições, outros estudos relatam prevalências variando entre 5% (2) e 30% (3,4,5).
Uma definição universalmente aceita de EP ainda não foi estabelecida. William Masters e Virginia Johnson, pioneiros na pesquisa das disfunções sexuais, propuseram em 1970, (6) uma das primeiras definições de EP: “incapacidade de retardar a ejaculação tempo suficiente para a mulher atingir o orgasmo em cinquenta por cento das vezes”, considerando a EP como a única causa de ausência de orgasmo entre as mulheres. Kaplan, 1974, (7) sugeriu que a EP é fundamentalmente um problema de controle voluntário sobre o momento da ejaculação, um conceito sobre o qual a definição atual é baseada.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5 (8) define EP como “Padrão persistente ou recorrente de ejaculação que ocorre durante a atividade sexual com parceira dentro de aproximadamente um minuto após a penetração vaginal e antes do momento desejado pelo indivíduo”. Embora o diagnóstico de ejaculação precoce também possa ser aplicado a indivíduos envolvidos em atividades sexuais não vaginais, não foram estabelecidos critérios específicos para o tempo de duração dessas atividades.
A ejaculação precoce foi classificada em duas formas: uma forma primária (ao longo da vida) que começa quando um homem se torna sexualmente ativo e uma forma secundária (adquirida) (9,10).
A etiologia exata da EP é desconhecida e fatores psicológicos, comportamentais e biológicos têm sido propostos.
O tratamento atual da EP envolve terapias de modificação de comportamento, anestésicos tópicos e medicações antidepressivas com atividade inibidora da recaptação da serotonina.
Esta revisão abordará apenas o tratamento medicamentoso, tendo em vista que urologistas habitualmente não prescrevem outras terapias.
Essa revisão é uma tradução e adaptação das normas de conduta (guideline) do tratamento da ejaculação precoce da Associação Americana de Urologia (AUA). Detalhes da metodologia do guideline estão no final do texto.
II Avaliação do paciente com ejaculação precoce
A ejaculação precoce é um diagnóstico auto referido. Uma história sexual onde o paciente detalha as circunstâncias da EP é a base fundamental da avaliação sendo o tempo até a ejaculação o dado mais importante. A opinião da parceira pode fornecer uma contribuição significativa para a compreensão do médico.
Uma descrição completa é essencial para distinguir EP de DE, ou seja, a incapacidade de atingir ou manter uma ereção, porque essas condições frequentemente coexistem. Além disso, alguns homens não sabem que a perda de ereção após a ejaculação é normal; assim, eles podem erroneamente reclamar de DE quando o real problema é EP.
Recomendação 1
O diagnóstico de EP baseia-se apenas na história sexual. Uma história sexual detalhada deve ser obtida de todos os pacientes com queixas ejaculatórias. Ao obter a história do paciente, várias características sexuais e psicológicas importantes devem ser avaliadas: frequência e duração da EP, relação com parceiras específicas, ocorrência em todas ou algumas relações, grau de estímulo em que ocorre a EP, natureza e frequência da atividade (preliminares, masturbação, relações sexuais, etc.), tipo e qualidade das relações pessoais e qualidade de vida, fatores que agravam ou amenizam a EP e relação com o uso ou abuso de drogas. Testes laboratoriais ou fisiológicos não são necessários a menos que a história e exame físico revelem outras condições além da EP.
Recomendação 2:
Em pacientes com EP e DE concomitante, a disfunção erétil deve ser tratada primeiro. Muitos pacientes com disfunção erétil desenvolvem EP secundária, talvez devido à necessidade de estimulação para atingir e manter uma ereção ou devido à ansiedade associada à dificuldade em atingir e manter uma ereção. A ejaculação precoce pode melhorar nos pacientes quando a DE concomitante é efetivamente tratada.
III Tratamento da ejaculação precoce
Recomendação 3:
Os riscos e benefícios de todas as opções de tratamento devem ser discutidos com o paciente antes de qualquer intervenção. A satisfação do paciente e da parceira é o objetivo do tratamento. Como referido acima, os tratamentos para EP variam desde terapias psicológicas e comportamentais até terapias farmacológicas. Enquanto as terapias farmacológicas são o foco desta revisão, outras tipos de intervenções podem ser considerados. O paciente desempenha um papel central na determinação da necessidade para tratamento. O paciente e possivelmente a sua parceira devem ter a certeza de que a EP é uma doença comum e tratável. Informações sobre os riscos e benefícios de todas as opções terapêuticas devem ser apresentados ao paciente (e parceira) para que a escolha do tratamento possa ser feita pelo paciente em conjunto com o médico. A ejaculação precoce não é uma condição ameaçadora à vida; portanto, a segurança deve ser uma consideração primária. Alguns tratamentos, como neurectomia e implante de prótese peniana, têm riscos que superam seus benefícios. Além disso, nenhuma das terapias médicas atualmente empregadas no manejo da EP foram aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA para esta indicação específica. Portanto, doses e regimes posológicos frequentemente divergem do empregado para indicações aprovadas pela FDA, e essa diferença deve ser considerada na avaliação risco-benefício do tratamento farmacológico.
Eficácia dos tratamentos propostos
Os estudos selecionados nessa revisão sugerem fortemente que os pacientes se beneficiam do uso de vários medicamentos orais ou tópicos. Nas dosagens utilizadas no manejo do EP, esses tratamentos mostraram ter um perfil de segurança adequado.
Recomendação 4:
A ejaculação precoce pode ser tratada de modo eficaz com vários inibidores da recaptação da serotonina (SRIs) ou com anestésicos tópicos. A escolha ideal do tratamento deve ser baseado no julgamento médico e preferência do paciente.
Medicação Oral
Antidepressivos
Vários antidepressivos conhecidos por causar anorgasmia e ejaculação retardada foram avaliados no tratamento da EP. Estes antidepressivos incluem SRIs, a maioria dos quais são seletivos (ISRSs) - fluoxetina, paroxetina e sertralina - e o antidepressivo tricíclico clomipramina (Tabela 1). Os SRIs foram utilizados com sucesso no manejo do EP. Em ensaios clínicos, os SRIs forneceram benefícios superiores em relação ao placebo. Estudos sugeriram que a nefazodona, o citalopram e a fluvoxamina são ineficazes para o tratamento da EP e podem ser mais adequados do que outros ISRSs para o tratamento da depressão em homens que não querem comprometimento ejaculatório.
Tabela 1. Opções de tratamento clínico da ejaculação precoce
Medicação Nomes comerciais Dose recomendada
Paroxetina Pondera, Roxetin 10,20,30,40mg/dia
Fluoxetina Prozac, Daforin, Fluxene 5-20mg/dia
Sertralina Zoloft, Assert 20mg 3-4h antes da relação sexual 25-200mg/dia
Dapoxetina Prosoy 30-60mg 1h antes da relação sexual
Gel uso tópico
Lidocaína EMLA 20-30 min antes da relação sexual
Dosagem
Várias doses e regimes posológicos dos SRIs foram avaliados nos estudos de eficácia e segurança no tratamento da EP. Alguns estudos empregaram dosagem diária contínua, enquanto outros usaram regime sob demanda em que a medicação é tomada apenas antes da atividade sexual.
Os dados sobre a dosagem sob demanda sugerem que este regime pode ser útil para alguns homens com a vantagem teórica de que uma quantidade menor da substância será utilizada. Em geral, os SRIs foram projetados para uso contínuo, e seus benefícios no tratamento da depressão foram melhor estabelecidos após um período de administração consistente da medicação. Por outro lado, a administração contínua pode comprometer a adesão do paciente. Não está claro se a dosagem contínua ou sob demanda é mais eficaz no tratamento da EP. O tempo ideal para o uso antes da relação sexual não foi estabelecido e o início de ação desses SRIs para essa indicação também é desconhecido. A escolha do regime de tratamento geralmente se baseia na frequência da atividade sexual do paciente.
Duração da Terapia
O tratamento da EP provavelmente será contínuo. Não existe um consenso claro se os SRIs irão produzir uma eventual cura da EP, permitindo a interrupção da medicação, ou se SRIs serão necessários para toda a vida. A experiência de especialistas do tema é que a EP geralmente retorna após a interrupção do tratamento.
Dosagem de Inibidores Específicos da Recaptação de Serotonina (SRIs)
A dose diária da Fluoxetina pode variar de 5 a 20 mg (ver Tabela 1) podendo ser aumentada progressivamente para até 40 ou 60 mg/dia.
Tanto a administração diária de Paroxetina na dose de 10, 20 ou 40 mg como a administração de 20 mg, 3 a 4 horas antes da relação podem ser empregadas no tratamento da EP (ver Tabela 1). Devido ao número limitado de pacientes avaliados com altas doses de Paroxetina, o benefício em aumentar a dose para 40mg/dia não foi estabelecido. A maioria dos estudos mostram que a melhor eficácia da Paroxetina é observada com a dose de 20mg/dia.
A Sertralina pode ser administrada em doses diárias de 25, 50, 100 ou 200 mg ou sob demanda em doses de 50 mg (4 a 8 horas antes da relação sexual) (ver Tabela 1). Doses mais altas podem aumentar a eficácia, mas podem estar associadas com maiores taxas de disfunção erétil e diminuição da libido.
A clomipramina, um antidepressivo tricíclico com efeitos SRI, aumenta o tempo de latência ejaculatória quando prescrita em doses de 25 ou 50 mg/dia ou sob demanda 4 a 24 horas antes relação sexual (ver Tabela 1).
Efeitos adversos
Embora os efeitos adversos dos SRIs tenham sido bem descritos no tratamento da depressão, os seguintes fatos devem ser considerados ao considerar os riscos da prescrição destes agentes para pacientes com EP:
• Em primeiro lugar, os homens que são tratados para EP são diferentes dos tratados para depressão e os efeitos adversos desses medicamentos não foram bem avaliados no contexto da EP. No entanto, a partir de evidências reunidas até hoje, parece que os eventos adversos dos SRIs relatados no tratamento da EP são semelhantes aos relatados em pacientes em tratamento para depressão. O tipo e a frequência de efeitos colaterais parece ser aceitável para a maioria dos pacientes e tipicamente incluem náuseas, boca seca, sonolência e diminuição da libido. Casos isolados de complicações mais graves, como mania e sintomas de abstinência foram descritos.
• Em segundo lugar, as doses que são eficazes no tratamento da EP são geralmente inferiores às recomendado no tratamento da depressão, sugerindo que a frequência e a gravidade dos eventos adversos também pode ser menor.
• Terceiro, tendo em vista que existem dois esquemas de administração dos medicamentos (dosagem diária contínua e uso somente para relação sexual), os eventos adversos podem ser diferentes entre os pacientes, dependendo do regime prescrito. A experiência com os SRIs demonstra que esses medicamentos são eficazes e apresentam uma boa relação benefício/complicações no tratamento da EP.
Agentes anestésicos tópicos
Agentes anestésicos tópicos podem ser aplicados no pênis antes da relação sexual para retardar a ejaculação. Após aplicação tópica, pode ser colocado um preservativo para maximizar a ação do anestésico. O preservativo pode ser removido antes da relação sexual e o pênis lavado para remover qualquer resíduo da medicação. A substância mais utilizada é lidocaína aplicada por 20 a 30 minutos antes da relação sexual (ver Tabela 1). Nenhum efeito colateral significativo foi observado com esse esquema de tratamento. Um tempo maior de aplicação do anestésico 45-60 minutos pode resultar na perda da ereção devido a ausência quase total de sensibilidade. A redução da sensação peniana pode limitar a aceitação deste método de tratamento. A difusão do anestésico tópico residual no pênis para a parede vaginal também pode resultar em ausência de sensibilidade na parceira. Por isso o gel deve ser removido do pênis antes da relação sexual. Alergia a componentes do produto são raras.
IV Conclusões
A EP é um transtorno sexual masculino muito comum e tradicionalmente tem sido tratado com psicoterapia ou terapia comportamental. Embora não aprovado pela FDA para esta finalidade, os antidepressivos orais e os anestésicos tópicos são capazes de retardar a ejaculação em homens com EP e com efeitos colaterais mínimos. O tratamento com antidepressivos orais deve ser iniciado com a menor dose necessária para se atingir um resultado clínico satisfatório.
Apoio e educação do paciente e, quando possível, da parceira é parte integrante da terapia de EP.
V Metodologia do guideline da Associação Americana de Urologia
O guideline de tratamento clínico da ejaculação precoce da AUA foi publicado inicialmente em 2004 e revisado em 2010. Os artigos para o desenvolvimento do guideline foram obtidos a partir do banco de dados MEDLINE® com os descritores relacionados à disfunção ejaculatória. A revisão foi limitada a periódicos em inglês publicados entre 1966 e janeiro de 2001. Apenas um pequeno número de artigos forneceu dados consistentes sobre o tratamento da EP. Estudos adicionais foram identificados a partir das referências citadas em artigos e de recomendações de membros individuais da AUA. A pesquisa do MEDLINE teve a última atualização em outubro de 2002. Mesmo após a conclusão da pesquisa bibliográfica final, os especialistas da AUA continuaram examinando as principais referências que foram identificadas até o processo de revisão. A partir de uma revisão de resumos, os membros da AUA elegeram artigos com informações potencialmente utilizáveis. Os artigos selecionados foram revisados em detalhes, e dados relevantes sobre eficácia e eventos adversos foram extraídos e listados em tabelas de evidências.
Três grandes limitações foram encontradas na avaliação das evidências que impossibilitavam a capacidade de combinar dados de resultados e realizar comparações de resultados de estudos:
• A falta de padronização no estudo da EP. Os ensaios clínicos empregam uma variedade de definições, critérios de entrada, medidas fisiológicas e instrumentos psicométricos para avaliação.
• A falta de concordância em quantificar a quantidade de estímulo vivenciada pelos pacientes. O tempo para a ejaculação é resultado de muitos fatores, sendo um dos mais importantes a natureza da estimulação. O mesmo estímulo pode ser excessivo para um homem, mas provocar pouca excitação em outro. Além disso, a falta de consistência com relação a variáveis da parceira, natureza da atividade sexual, presença ou ausência de preliminares e preferência por estímulos únicos ou múltiplos impediu um desenho experimental rigoroso.
• A falta de consistência e precisão nas medições do tempo até a ejaculação e outros resultados. O parâmetro de resultado mais comum, o tempo até a ejaculação, é sempre obtido a partir da memória do paciente. Essas medições carecem de precisão, mas geralmente são úteis quando aplicados consistentemente em um único estudo. A aplicação em múltiplos estudos ou em uma meta-análise é problemática porque qualquer diferença metodológica compromete a capacidade de fazer uma comparação válida.
Outras medidas comuns de resultados dizem respeito à satisfação do paciente e da parceira. Uma variedade instrumentos de avaliação são utilizados, não sendo possível uma comparação entre os trabalhos.