Infertilidade Masculina
Infertilidade pode ser definida como a incapacidade de um casal sexualmente ativo, sem a utilização de métodos contraceptivos, de estabelecer gravidez dentro de um ano, período no qual por volta de 90% dos casais o fazem. É um fenômeno universal que atinge aproximadamente 8% a 15% dos casais, independente dos fatores socioeconômicos ou culturais. Estima-se que em metade dos casos existe problemas com o homem e a outra metade está relacionada com problemas na mulher. Além disso, em 20% dos casos a causa da infertilidade está em ambos os componentes do casal. A infertilidade masculina ganha ainda mais importância em virtude da associação entre fertilidade e doenças potencialmente graves e até mesmo letais como câncer de testículo. Um dos exames laboratoriais mais utilizados para avaliar o homem com dificuldades para engravidar é o espermograma, que irá fornecer informações importantes sobre a espermatogênese (formação dos espermatozóides), função de glândulas acessórias (próstata e vesículas seminais) e a presença ou não de obstrução do trato reprodutivo. O diagnóstico mais preciso do local ou função anormal tem motivado pesquisadores a desenvolver novos testes bioquímicos para avaliar a função dos espermatozóides, os quais são igualmente importantes para predizer o sucesso da fertilização in vitro (bebê de proveta) e decidir sobre a técnica de reprodução assistida mais indicada. A investigação do homem infértil inicia a partir da história detalhada sobre a duração da infertilidade do casal, associada a um exame físico cuidadoso. Uma vez que o casal deve ser considerado como uma unidade (casal infértil) e avaliado em paralelo, é importante que o médico responsável pelo homem esteja a par da avaliação de sua parceira. A duração da infertilidade nos fornece informações prognósticas sobre o futuro da fertilidade do casal. Aqueles casais com duração da infertilidade superior a 3 anos possuem uma chance inferior a 3% de engravidar a cada mês. A história familiar, incluindo informações sobre a fertilidade dos pais e de irmãos pode fornecer pistas para possíveis causas genéticas de infertilidade masculina. Histórico do paciente a respeito da freqüência da ejaculação traz importantes informações sobre a origem da infertilidade. Pacientes com abstinência sexual superior a 10-14 dias pode levar à infertilidade pela grande presença de espermatozóides imóveis (mortos ou parados) neste sêmen mesmo tendo boa quantidade de esperma. A exposição ao calor e a produtos químicos no local de trabalho pode causar infertilidade devido a alterações no DNA (código genético) do esperma. É importante destacar que uma febre que exceda 38,5°C pode impedir a produção de espermatozóides por um período de até 6 meses. Além disso, sabe-se que todos os tipos de lubrificantes vaginais causam uma diminuição da movimentação dos espermatozóides. Uma história medicamentosa completa é importante, uma vez que o abuso ou a exposição a algumas substâncias pode causar infertilidade. Exemplos são os medicamentos usados para quimioterapia, radioterapia, pesticidas, hormônios anabolizantes, drogas anti-hipertensivas, antibióticos e outros. Estudos recentes demonstram que a nicotina presente no cigarro está associada com a redução na qualidade dos espermatozóides. Homens que fumam possuem um aumento no número de glóbulos brancos no sêmen, risco aumentado para uretrites (infecção na uretra) e prejuízo nas funções das glândulas sexuais acessórias. O consumo excessivo de álcool pode interferir com a produção de espermatozóides além de reduzir a atividade sexual por meio da inibição da síntese de testosterona (hormônio masculino). O criptorquidismo (testículos fora da bolsa escrotal quando do nascimento), unilateral ou bilateral, está relacionado a defeitos na produção de espermatozóides. A incidência de infertilidade em pacientes com testículos criptorquídicos unilaterais (apenas um lado) e bilaterais (os dois lados) é de 2 e 6 vezes superior comparado na população geral, respectivamente. A quantidade de espermatozóides está diminuída em 20 a 75% dos homens com criptorquidia unilateral comparada a 50 a 90% dos homens com criptorquidia bilateral. Homens com criptorquidia unilateral são capazes de ter filhos em 81,4% dos casos, enquanto que nos pacientes com doença bilateral esta proporção cai para 50%. História prévia de trauma ou torção de testículo é importante, pois pode ocasionar atrofia testicular (diminuição grave no tamanho dos testículos). Cerca de 30 a 40% dos homens com história de torção testicular apresentarão resultados anormais no espermograma. Aproximadamente 10% dos pacientes que desenvolveram orquite bilateral (inflamação nos dois testículos) pelo vírus da caxumba após a puberdade podem desenvolver prejuízo da função testicular. É importante salientar aqui que apenas os pacientes que são acometidos pela caxumba após a puberdade podem apresentar infertilidade no futuro. O câncer de testículo, o linfoma e a leucemia estão entre as doenças mais comuns em homens em idade reprodutiva. Avanços no tratamento com quimioterapia, radioterapia, cirurgia ou tratamentos combinados resultaram em aumentos drásticos nas taxas de sobrevida desta população. Uma das conseqüências destes tratamentos é a chance potencial de esterilidade permanente devido a lesões graves nos testículos. É interessante o fato de que, mesmo antes de iniciar o tratamento, normalmente estes pacientes apresentam problemas na qualidade do esperma, principalmente aqueles pacientes com câncer testicular. No grupo de pacientes com tumores de testículo, cerca de 50 a 60% dos pacientes apresentam sêmen com qualidade abaixo da esperada. O retorno da fertilidade pode levar até 5 anos, ou mesmo não ocorrer, o que faz com que o congelamento de esperma seja recomendada nestes pacientes. A obstrução (fechamento) do canal deferente em decorrência de uma cirurgia de hérnia realizada na infância é uma das causas mais comuns de obstrução do trato seminal, ocorrendo em até 26,7% dos pacientes com ausência de espermatozóides e histórico de cirurgia de hérnia na infância. O exame da genitália masculina merece atenção especial. Portanto, um testículo com volume e consistência preservados é um indicador inicial que a produção de espermatozóides está preservada. O exame físico continua com a palpação dos ductos deferentes bilateralmente, pois cerca de 2% dos homens inférteis têm ausência congênita dos deferentes. Além disso, a presença de varicocele (varizes no escroto) deve sempre ser investigada, pois é a causa de infertilidade masculina mais comum, de mais fácil tratamento e de melhor resultado. O epidídimo é um túbulo único que está situado acima do testículo. A presença de endurecimentos pode sugerir obstrução causada por doenças sexualmente transmissíveis, epididimites (inflamação do epidídimo) ou após a vasectomia. O exame prostático pode mostrar glândula de dimensões reduzidas na presença de deficiência de androgênios, ou mesmo a inexistência do aumento esperado com a idade. A presença de prostatites pode ser um fator importante na avaliação do homem infértil, devida à grande prevalência. O exame físico do pênis pode revelar anormalidades como hipospádia (meato uretral em posição anômala), curvaturas (Doença de Peyronie) e fimose, portanto, podendo causar alterações no depósito adequado do sêmen na vagina.
Espermograma
Após a coleta da história e realização do exame físico, o espermograma deve ser a primeira fonte de informação para o médico. O período de abstinência para realização da análise seminal deve ser entre 2 a 5 dias. Para uma avaliação adequda da qualidade do sêmen, são recomendáveis no mínimo duas coletas de sêmen com intervalo de tempo entre as coletas de aproximadamente 15 dias. Se os resultados provenientes do espermograma diferirem muito entre si, uma nova análise seminal deverá ser realizada. Por razões de padronização e para que os resultados obtidos em locais diferentes sejam comparáveis e confiáveis, os testes que envolvem sêmen devem ser realizados de acordo com diretrizes, como, por exemplo, as estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2010.
Valores de normalidade para o espermograma (OMS, 2010)
Figura 1. Ultra-estrutura do espermatozóide normal.
Teste de presença de leucócitos no sêmen
Estima-se que até 20% dos pacientes que estão tentando engravidar apresentam infecção no sêmen mesmo sem apresentar sintomas. Pacientes com leucospermia (número aumentado de células de defesa no sêmen) geralmente apresentam elevadas quantidades de espermatozóides imaturos com alteração na forma, especialmente presença de espermatozóides com grande quantidade de citoplasma.
Anticorpos anti-espermatozóides
O sistema imune é uma rede complexa de células e produtos celulares para nos defender contra os microorganismos. Traumatismo e torção testicular após a puberdade, obstrução do trato seminal, varicocele e infecção seminal podem deflagar o mecanismo de formação dos anticorpos anti-espermatozóides. Os anticorpos anti-espermatozóides estão presentes em até 2/3 dos homens vasectomizados. Entretanto, tais anticorpos são geralmente vistos apenas nos primeiros meses após a vasectomia, diminuindo seus níveis com o passar do tempo.
Testes de função espermática
Experiências clínicas revelaram que não é exatamente o número absoluto de espermatozóides que prediz o prognóstico de fertilidade, mas a sua capacidade funcional. O desenvolvimento de um teste com grande poder para predizer a fertilização pelos espermatozóides é o objetivo primordial de qualquer laboratório de pesquisa em andrologia. Apenas as provas de função espermática - como reação acrossômica, receptores de manose na superfície dos espermatozóides, interação espermatozóide-muco cervical, testes da penetração espermática e hemizona, níveis de Creatina Quinase (CK), Espécies Reativas de Oxigênio (ERO), Capacidade Antioxidante Total (CATS) e Peroxidação Lipídica (LPO) - podem dar informações referentes à probabilidade de esse homem vir a engravidar a sua parceira.
Avaliação hormonal
Considerando-se um casal infértil, o parceiro masculino deve realizar uma avaliação hormonal se houver qualquer tipo de alteração no sêmen, disfunção sexual e suspeita clínica de problemas endócrinos. Assim sendo, pacientes com puberdade precoce ou tardia, problemas de disfunção erétil, perda de libido, obesidade, doenças hepáticas ou renais são candidatos a uma avaliação hormonal. A incidência de doenças endócrinas num homem infértil é menor que 3%; no entanto, se diagnosticadas corretamente podem ser tratadas. A avaliação hormonal deve começar com uma única dosagem no sangue dos seguintes hormônios: hormônio folículo estimulante (FSH), testosterona livre e total. Caso haja alguma anormalidade, então está indicada a avaliação do hormônio luteinizante (LH). A avaliação rotineira do hormônio prolactina não é necessária, haja vista que anormalidades primárias afetando este hormônio são encontradas em menos de 1% dos homens inférteis. Entretanto, pacientes com baixos níveis de testosterona, com diminuição da libido e diminuição da quantidade de espermatozóides no sêmen necessitam dosar o hormônio prolactina. A pesquisa de estradiol está indicada em homens obesos, na presença de ginecomastia (aumento da glândula mamária) ou suspeita da síndrome de resistência periférica a andrógenos.
Ultra-sonografia (ecografia) Testicular
A ultra-sonografia testicular é um método não-invasivo, de fácil disponibilidade, que pode detectar muitas anormalidades testiculares. É útil na determinação do volume testicular e contribui para identificação de tumores de pequeno tamanho encontrados em cerca de 0,5 a 1,2% dos pacientes que consultam para infertilidade, em comparação com a incidência de 0,005% na população masculina geral. A dilatação das veias do plexo venoso pampiniforme (varicocele) também pode ser comprovada pela ultra-sonografia testicular. A ultra-sonografia com Doppler de alta resolução é uma ferramenta adicional que pode mostrar concomitantemente o fluxo sangüíneo podendo ser solicitada em casos selecionados.
Biópsia de Testículo
As indicações para se realizar biópsia no testículo são distinguir entre obstrução e falência testicular (parada de produção de espermatozóides), identificação da existência de espermatozóides ou espermátides (células jovens) na amostra de testículo e pesquisa de câncer de testículo. As principais indicações para a realização da biópsia de testículo terapêutica incluem: 1) Identificação locais de produção de espermatozóides, 2) Obtenção de espermatozóides para fertilização in vitro em pacientes que não possuem espermatozóides e 3) Congelamento de espermatozóides testiculares para uso futuro.
Tratamento clínico da infertilidade masculina
Em 25% dos homens após a correta avaliação da infertilidade não se consegue descobrir a causa da infertilidade. Esta condição recebe a denominação de “infertilidade idiopática”. Existe um outro grupo de pacientes com uma provável causa para sua infertilidade, porém sem tratamento específico. Muitos dos tratamentos utilizados são baseados na administração de substâncias hormonais com o objetivo de aumentar a produção de espermatozóides. Os principais agentes envolvidos incluem os anti-estrogênios (citrato de clomifene, tamoxifen). O uso de antioxidantes (Vitaminas C, E) está sob investigação e eventualmente poderá ser empregado em alguns pacientes. As infecções representam indicações potenciais de terapêuticas específicas em infertilidade masculina, pois contribuem de diferentes maneiras para prejudicar a fertilidade: inibem a interação do espermatozóide com o óvulo e afetam a função dos espermatozóides. A presença de leucócitos (células de defesa) no sêmen varia de 9 a 23% da população subfértil, representando uma área importante de estudo. O uso de antibióticos é recomendado.